‘Comida típica mineira não surgiu da fome, isso é ilógico’, defende pesquisador
Argumento é sustentado no livro “Nossa Comida Tem História”, lançado em celebração aos 300 anos de Minas Gerais
Por Rafael Rocha
Com o avanço dos estudos sobre a formação do gosto na cultura alimentar em Minas Gerais, versões antes incontestáveis a respeito da construção de nossos modos de comer passam a ser questionadas. Uma delas diz respeito sobre como a invejável diversidade de ingredientes e receitas teriam surgido e florescido entre as montanhas mineiras. A ideia de que a fome, a falta e a carestia, especialmente no período colonial, foram as causadoras dessa riqueza é contestada pelo professor José Newton Coelho Meneses, no livro “Nossa Comida Tem História”, lançado recentemente.
“Há certo romantismo da tradição histórica em dramatizar um pouco essa construção cultural”, avalia o pesquisador, vinculado à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Para ele, as épocas de exploração não impediram a diversidade alimentar no cotidiano da população local. Os documentos analisados pelo historiador demonstram a versatilidade na cozinha já na época colonial, fruto de uma fruição cultural que promoveu um diálogo entre povos de origens distintas. “Isso resultou numa comida diversa e nada carente”, explica.
Um ponto central defendido pelo autor consiste em avaliar o contexto demográfico, social e econômico de Minas Gerais naquela época. “Minas era a região mais populosa e foi o espaço que mais recebeu imigração, tanto de escravizados quanto de outros lugares, e foi o mais populoso até 1914. Como o Estado tão populoso pode ser carente em comida? É algo ilógico”, argumenta o pesquisador.
Sob o ponto de vista econômico, a atividade minerária se expandia com força nesse momento, e se desdobrava em uma ampla produção alimentar, necessária ao consumo das pessoas envolvidas na extração de minério. “O maior meio de enriquecer em Minas era de produzir alimentos para os mineradores”, contextualiza José Newton.
Esse tripé que envolve aquecimento econômico, diversidade de ingredientes naturais e intenso crescimento populacional alicerçam a discordância do autor a respeito da hipótese de carência e fome em Minas durante os séculos 18 e 19.
Construção do gosto
Segundo o pesquisador, essa complexa construção do gosto proporcionou que a alimentação em Minas Gerais tivesse a criatividade como ingrediente de primeira ordem. “Sempre usamos essa diversidade para inventar, criar. Essa capacidade de construir comidas foi algo primordial em Minas Gerais”, diz.
Exemplo dessa riqueza encontra-se registrado nos escritos do naturalista Auguste de Saint-Hilaire, um dos primeiros cientistas europeus a percorrer os territórios do Brasil colônia. O pesquisador francês relata espanto ao conferir como a engenhosidade resultava, por exemplo, no pão de inhame, uma quitanda encontrada à época na região do Alto Jequitinhonha. “Ele achou interessante como o mineiro transformava aquele tubérculo insosso numa quitanda tão nutritiva”, informa José Newton.
A mesma surpresa é registrada quando o naturalista europeu acessou casas de famílias mineiras bastante pobres durante o século 19. “Ele cita como aquele feijão com couve foi transformado em uma gostosa comida que o dono da casa preparou para a família”, contextualiza o professor da UFMG.
São vestígios como esses que sustentam a tese defendida pelo organizador do livro. Conforme o conjunto de artigos da publicação, a comida mineira é edificada a partir de heranças portuguesas, africanas e indígenas, e consiste na materialização da identidade cultural desse povo residente entre as montanhas.
Com prefácio do deputado Agostinho Patrus, reconhecido defensor dos valores da cultura alimentar, a publicação reúne artigos de vários autores, entre historiadores, chefs e professores. Viabilizada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a obra foi publicada em celebração aos 300 anos do estado.
O conteúdo na íntegra foi disponibilizado pela ALMG neste link.
- 28/01/2021
- 2414
- Notícias
- 2 comentários
Alice Gariglio
O link parece nao estar funcionando 🙁
janeiro 31, 2021 7:09 amCumbucca
Olá, Alice!
fevereiro 3, 2021 3:24 pmTestamos novamente e deu certo. Tente, por gentileza, neste link https://sites.almg.gov.br/export/sites/sites/minas300/.content/arquivos/Nossa-comida-tem-historia.pdf agradecemos o seu feedback.