Dez vendas e mercearias antigas que resistem em Minas Gerais

Rafael Rocha

Venda, mercearia, armazém ou secos e molhados. O nome varia, mas o estilo é inconfundível. Ícones da tradição no comércio, especialmente em décadas passadas, as vendas ainda permanecem no cenário da cultura mineira, assim como a velha prática do ‘anotar fiado’. É verdade que o avanço de grandes supermercados, aliado ao intenso êxodo rural, reduziu bastante a sobrevida desses estabelecimentos que vendem todo tipo de miudezas.

No entanto, com paciência e disposição, além de uma boa rede de amigos, fomos em busca de algumas vendas bastante antigas e tradicionais que ainda resistem bravamente em Minas Gerais. Algumas das vendas citadas a seguir foram indicações da pesquisadora Juliana Venturelli, que está em viagem pelo Brasil em busca de pessoas que atuam em ofícios tradicionais. “O que mais me impressiona nesses lugares é a confiança depositada no freguês. Ele é quem define o dia e a forma que vai pagar”, observa.

Confira a lista abaixo:

 

Venda do Seu Lidirico, em Araçuaí

 

Venda do Seu Lidirico-Araçuaí. Instagram @o_brasil_profundo

 

É uma das mais famosas, e até virou tema de música na voz do cantor Miltinho Edilberto. “Tem de tudo e cada coisa que tem eu explico. Tem cachaça batizada com resina de anjico”, adianta a canção. Aos 93 anos, Seu Lidirico continua firme e abre a venda diariamente, sempre acompanhado por Dona Iaiá, sua companheira de 88 anos que capricha na fabricação de doces – eles são casados há mais de sete décadas. Foi com a venda de todo tipo de coisa que eles conseguiram sustento para os 15 filhos. Situado em Araçuaí, o estabelecimento diminuiu bastante a diversidade de itens, mas os baleiros de três andares e a cadeira de engraxate de 1950 ainda estão lá. “Tenho contato com o povo, sou amigo de todo mundo”, diz Seu Lidirico.

Venda Alto Minchillos, em Guaranésia

 

O imponente balcão é original e repousa na venda da cidade de Guaranésia desde 1908, quando o estabelecimento foi aberto pelo bisavô da família Minchillo. A loja passou de geração em geração e teve que se adaptar aos tempos. Segue como venda e oferece alguns enlatados, petiscos e bebidas. Um dos itens que sedimentou a fama foi o pão com mortadela, que fazia todo mundo parar, segundo relembra Patrícia Minchillo. “A venda de secos e molhados diminuiu bastante, porque muita gente mudou da zona rural para a cidade”, explica. É o filho dela, Cauê, quem hoje cuida da administração. O local vira palco para festas eventuais, pois possui uma ampla área externa repleta de árvores. O evento mais disputado é a festa junina, criada a partir da reza do terço de São Pedro, tradição da matriarca dos Minchillos. A edição mais recente atraiu cerca de mil pessoas. Antes da pandemia, claro.

Venda Alto Minchillos – Guaranésia. Instagram: @venda.altodominchillo

 

Venda do Bininho, em Brumadinho

 

A simpática Marisalva Isoni comanda atualmente a casa, ao lado de seus três filhos – Bininho, o marido, está temporariamente afastado do negócio. Pinga no balcão, rapadura e feijão a granel continuam tendo saída no local, que também funciona como restaurante e pesque e pague. Situada em Palhano, um pacato distrito em Brumadinho, a venda foi fundada em 1945 por José Pedro da Silva Oliveira, pai de Bininho. Entre os itens mais curiosos à venda por ali constam lamparina, chicote e até corda usada para laçar boi.

Venda do Bininho – Brumadinho. Crédito: acervo pessoal/divulgação

 

Bar do Mundico, em Cristina

 

Enquanto Elisa Aparecida prepara refeições na cozinha, Dudu pode estar consertando uma bicicleta ou vendendo uma ratoeira. Caso apareça cliente em busca de balança, bolinha de gude, ferradura ou maria-mole, sim, no Bar do Mundico tem. O estabelecimento leva o nome do fundador, já falecido, e atualmente é sua família quem dá sequência às tarefas.

Bar do Mundico – Cristina. Crédito: Juliana Venturelli

 

Bar e Mercearia Guedes, em Ipatinga

 

Penico esmaltado, panela, caneca, forma de bolo e, claro, pinga, são alguns dos produtos que você encontra com facilidade no comércio do Seu Guedes, situado em Ipatinga. Aos 77 anos, ele só fecha a venda nas duas vezes ao ano em que vai à praia. Nos outros dias, faz questão de se dedicar ao balcão. “É uma diversão para não ficar parado”, responde. A casa, que ainda vende fiado – se precisar -, foi fundada há 46 anos.

Bar e Mercearia Guedes – Ipatinga. Crédito: acervo pessoal/divulgação

 

Seu Nonô, entre Catas Altas e Santa Bárbara

 

Na estrada entre Catas Altas e Santa Bárbara é possível esbarrar com a figura de Seu Nonô. Sua venda exibe uma variedade tão absurda de itens que ganhou o nome de Shopping Center de Bateias. “Aqui deve ter uns mil itens”, calcula o dono, que abriu a loja há 46 anos. Relógio, foice e machado são alguns desses objetos à venda. Mesmo com 75 anos, ele acorda cedo diariamente para abrir o estabelecimento às 4h30. Sorte dos inúmeros ciclistas que fazem trilha na região, que sempre são salvos pela presença de Seu Nonô.

Seu Nonô, entre Catas Altas e Santa Bárbara. Instagram: @circuitoentreserras

 

Bar do Baixinho, em Cristina

 

Conhecido como Toninho, Antônio Mendes lidera o Bar do Baixinho, fundado na cidade de Cristina há cerca de sessenta anos. Receptividade é regra no local, já que os cliente podem entrar pelo balcão e se servirem. Guloseimas dividem espaço com toda sorte de coisas, como cigarros de palha, palitos de dentes, chupetas, pilhas, isqueiros e pés-de-moleque. Como o município está na Mantiqueira, lascas de um bom queijo parmesão deixam a prosa mais apetitosa. Um dos clientes, o mecânico Linaldo, diz que ali se elege ou se tira prefeito, se eleva o time à série A ou rebaixa para a série B. Não duvidamos.

Bar do Baixinho-Cristina. crédito: Juliana Venturelli

 

Venda do Zeca, em Jaboticatubas

 

O belo casarão funciona como bar e mercearia há cerca de 108 anos, fundado pelo senhor Felicíssimo dos Santos Ferreira, já falecido. Pois tem sido mesmo feliz a trajetória da Venda do Zeca, hoje comandada pelos netos Carlos Santos Nogueira e Marcos Santos Nogueira. Todo tipo de interesse chega ao balcão, e a dupla dá conta de atender. Botina, shampoo, naftalina e canivete constam na lista de produtos comercializados, complementada por bebidas e petiscos. Além de moradores da região, turistas frequentam bastante a venda, especialmente em busca da fartura de cachoeiras que povoam a região da Serra do Cipó, em Jaboticatubas.

Venda do Zeca – Jaboticatubas. Crédito: Venda do Zeca/Divulgação

 

Armazém do Zé Totó, em Belo Horizonte

 

Também é perfeitamente viável encontrar uma venda antiga em Belo Horizonte, apesar do avanço das grandes redes comerciais. Situado no bairro Aparecida, o Armazém do Zé Totó é dos mais conhecidos. Com ele é possível comprar ovos, tiras de chinelos e biscoitos. Velas, desentupidor de pia e uma porção de queijo com mortadela também estão de prontidão para qualquer necessidade. Nada é impossível para o Zé Totó. “É uma das últimas vendas de BH. Me emocionei todas as vezes que fui lá”, revela Nenel Neto, do Baixa Gastronomia.

Armazém do Zé Totó – Belo Horizonte. Crédito: Nenel Baixa Gastronomia

 

Armazém Arruda – Secos, Molhados, Latarias e Miudezas em Geral, em Cristina

 

A pandemia afastou José Arruda Filho do balcão, afinal ele contabiliza 87 anos, mas seu filho, José Roberto, vem dando conta do recado. Bruno, neto do fundador, auxilia na administração. Ele diz que o Armazém Arruda possui 6 mil itens cadastrados. Basta olhar pelas paredes, repletas de penduricalhos, para não duvidar da conta. Anzol, pneu, enxada, chapéu, botina e panela de pressão preenchem o espaço. Biscoitos, balas e pirulitos fazem a alegria das crianças. Outro item importante é a caderneta de fiados. “A maioria paga a conta mensalmente”, explica a pesquisadora Juliana Venturelli.

Armazém Arruda – crédito: Juliana Venturelli

 

BÔNUS: Mercearia Paraopeba, em Itabirito

 

Deixamos essa para o final, já que a Mercearia Paraopeba possivelmente é a mais celebrada venda de Minas Gerais. Fica em Itabirito, na região metropolitana de Belo Horizonte, e é lembrada por todo amante da cultura mineira. Situada em frente à Igreja de São Sebastião, a mercearia consegue rechear seu pequeno espaço físico com uma vastidão inacreditável de comes, bebes e apetrechos diversos, como balas, grãos, cereais, queijos, cafés – realmente de tudo um pouco. Um ícone da mineiridade.

Mercearia Paraopeba-Itabirito. Crédito: Mercearia Paraopeba/Divulgação

 

Essa reportagem só foi possível com a contribuição de amigos que enviaram suas sugestões, entre eles Márcia Martini, Juliana Venturelli, Lino Ramos, João Miguel, Bruno Bento e Nenel do Baixa Gastronomia, aos quais agradecemos imensamente.

Comentários - 8

Veloso

Veloso

Muito boa a reportagem. Meu avô tinha uma venda desta até 1965 em Dom Cavati, MG.

fevereiro 19, 2021 6:45 pm Responder
José Francisnei

José Francisnei

Ótima reportagem. Moro em Santa Bárbara e o Shopping Center do Bateias é sensacional. Parabéns.

fevereiro 20, 2021 1:00 pm Responder
Carlos Carmo

Carlos Carmo

Minas é história, é memória!
É passado e presente dentro da gente!
Orgulho dessa mineiridade!

fevereiro 21, 2021 10:11 am Responder
Webert

Webert

Vendinhas como a do Nono, são ótimas pela variedade de mercadorias, pela simplicidade nas conversas e pela receptividade típica de nós mineiros. Parabéns pela reportagem, alguns costumes e tradições são importantes para mostrar nossa história.

fevereiro 21, 2021 2:27 pm Responder
Athos Rocha

Athos Rocha

Faltou a venda do Tião Carrefour em Humaitá, bairro de Juiz de Fora, tem de salame a peça de trator, passando por arreios, ferraduras e querosene. E claro, cachaça e queijo.

fevereiro 22, 2021 10:03 pm Responder
Jorge Inácio

Jorge Inácio

Quando menino, em Conselheiro Lafaiete, MG, trabalhei em um armazém desses, não lembro o nome, pra mim era a Venda do Tio Ari. Lá vendia querosene, pá, enxada, amoníaco, brinquedos, penicos e bacias esmaltados, grampos para cabelos, tesouras, pentes, sabão em barra, sabonetes, sementes, queijo parmesão enorme, roupas e muito mais. Eu era caixeiro e o telefone de lá era 267. Saudades!

fevereiro 23, 2021 10:10 am Responder
Norma

Norma

Gente ! Que volta ao passado….. amei e lembrei de quando era criança e a pedido da minha mãe ia na venda do Sr. José…. isso quase todos os dias, e ainda era anotado na caderneta , fantástica essa matéria. Parabéns !

fevereiro 26, 2021 1:38 pm Responder
Emmanuel Almeida

Emmanuel Almeida

Gostei muito, nos traz lembranças, saudade…

fevereiro 26, 2021 1:47 pm Responder

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